segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Desengavetando


 sem título


Quando o horror cotidiano te engole

E as velhas muletas já não se sustentam

Sentimos o corpo sucumbir 

A mente a se deteriorar

A gélida escuridão a envolver 

A neblina mórbida sufocando qualquer tipo de esperança 

Enquanto as veias entupidas saltam de dentro para fora

Ornando toda a pele com o tracejado de um mapa decrépito em alto relevo

Expondo agonias e inflamações 

O cérebro dá lugar a uma bola de pus

E nos arrastamos cadavéricos

Nos sentindo elegantes vestindo o modo de vida podre como os dentes que se esfarelam dando o toque que faltava ao hálito azedo

A língua inchada e pastosa parecendo patê de fígado 

Globos oculares vazios e infeccionados

A orelha do velho pintor pendurada no vácuo enfeitando o precipício é mais bela que as mentiras que travestem a cama de pregos enferrujados  em confortável sofá comprado em dez vezes com juros

Não juro mais

Não creio mais

Não suporto a paz

Prometer não faz mais sentido que se embrulhar em um manto impregnado de fedores horrendos 

Parasitas repugnantes

A maldição dos que se acham salvos e a soberba dos que pensam escapar aos horrores dos nossos tempos

O deus furúnculo espreme o ser que já não é 

Tentando tirar as últimas gotas de certezas incertas 

Esperanças há muito perdidas

Inocência esquecida

Lembranças partidas a machadadas

A marreta que ergue o prédio é a mesma que afunda o crânio 

A broca procura espaço onde antes não havia

Tecido vivo de uma pele morta

Matéria orgânica cobrindo o desgaste ósseo 

A sagrada secreção lubrifica fungos e feridas

A gravata é a forca do otário


Não há

 

Não há convivência possível

com os malditos opressores

inimigos da liberdade

avessos a verdade

deuses da perversidade

 

Não há tolerância possível

com os malditos intolerantes

e sua hipocrisia abjeta

a mentira como meta

grades encobertas

 

Não há diálogo possível

com os malditos reacionários

canalhas ordinários

ladrões milionários

deuses dos otários


sem título 2


Ir de encontro a loucura

Flertar com ela

Copular enquanto a criatura enfia as unhas nas suas costas

Perder qualquer tipo de senso

Fazer um pacto com o desatino

Não ver sentido em mais nada

Não ter ao menos os ossos das sobras para roer

Estar submerso em um plasma abjeto

Cansado com o peso da cruz

No vazio absoluto da descrença total

Observando a carniça torpe a se deteriorar

Enquanto minha própria carcaça se desfaz



O efeito de um leve e distante ronronar

 

Sombras na escuridão

arrastam-se lentamente

com movimentos estranhos que alteram suas formas

parecendo espectros errantes

perdidos em labirintos sombrios

 

Corredores úmidos

cobertos por musgos, algas e vermes se debatendo enquanto tentam escalar as paredes escorregadias

untadas com sebo e banha de alguma criatura rançosa

nascida em uma madrugada suja e fria

oriunda dos ventos que causam calamidades por onde passam

 

Agora percebo que estou hipnotizado

pelos sons dos pneus

rolando sobre o asfalto molhado

como o charmoso sibilar da serpente

ou a vida acabando de repente  



sem título 3


Mais um escrito sai do subterrâneo

Do universo após a morte

Da cova

Do caixão

Do túmulo

Enquanto a enxada trabalha abrindo novo espaço na terra

A foice

Ou a bacia partida

Transformada em cinzas no forno crematório

A mão cheia de terra, lama, chagas e vermes

O gélido corpo febril

E você fingindo que está tudo bem

Dançando cantigas de roda

Embalando o bebê enquanto exala o podre hálito a ninar

Sussurra febril

Enquanto as bombas caem

Matando com seu poder devastador

Transformando tudo em sangue, morte e carne tostada

Ossos fragmentados

Crânios afundados

E políticos marionetes cínicos comprando sua alma por uma mixaria

E você se vende com prazer

Com o foco em se dar bem

Quer ser melhor que os outros

O grande salvador massacrando milhares

Enquanto seus irmãos derretem entre as mãos sádicas e suadas

Que cumprem o difícil ofício da tortura



QUANDO

 

Quando ele vem

com sua positividade tóxica

querendo ensinar 

a sermos quem não somos

a acreditar na mentira mais cômoda

a nos apegar ao que desprezamos

e a vivermos um mundo irreal

chegamos ao desprazer de mais uma companhia desagradável

que repete um discurso pronto

digno dos podres livros de autoajuda

vejo logo se tratar de um hipócrita

ou de um alienado que acredita em qualquer coisa sem uma análise mais profunda

talvez e simplesmente alguém que precisa muito entender tudo assim e achar que faz algum sentido

LAMENTÁVEL

No mínimo posso me lamentar

 


Destruição Extrema

 

mudanças climáticas extremas

degradação extrema

destruição extrema

caos oriundo da extrema ganância humana

 

devastação desmatamento

poluição radiação

ar irrespirável

agrotóxico violação

 

derrubem estas árvores

queimem as florestas

cacem os animais

viva o garimpo

 

suguem o solo

matem os rios

alterem o curso

alimentem a fome

 

apertem o botão

da ogiva nuclear

mostrem a cara

da agonia e da dor

 

não há mais água limpa

para beber

de sede e misérias

iremos morrer

 

afogados na própria bosta

diz que não concorda

mas parece que gosta

então não adianta chorar

 

é a última moda

do predador idiota

cavar a própria cova

e por a culpa no outro

 

o que posso fazer?

sou apenas um cara

esperando a solução

cair do céu

 

ser humano parasita

apodrecendo tudo ao redor

matando a própria vida

e levando tudo pro buraco


não há planeta que resista

a tanta maldição

do animal inconsequente

da extrema exploração

 

posando de inocente

não podia ser pior

é tanta ignorância

sem lógica ou dó


Hábitos Estranhos

 

Vivo em um tempo onde se cultivam hábitos estranhos, naturalizando toda forma de violência e repassando absurdos como se fizessem algum sentido. A ignorância, a estupidez, a alienação e a apatia são servidas como vitaminas no café da manhã de quem pode se dar ao luxo de tal refeição. A outra ponta é corroída pela fome, a miséria e a completa falta de tudo que se pode imaginar. Florescem atos de desespero, angústias e ódio extremo. Cada um adoecendo a sua maneira. As pessoas que trabalharam o dia inteiro e querem ficar até mais tarde na rua desfrutando do descanso e se seu momento de lazer, não têm permissão para escolherem o melhor momento de ir para casa ou ficar um pouco mais. Existem normas inflexíveis e arbitrárias, ordens inquestionáveis que dizem o exato minuto em que devem se recolher. Não há escolha. Um pesado aparato repressivo é deslocado até os pontos onde a vida noturna é mais efervescente e começam a retirar as pessoas das ruas, tocando para casa como gado para o curral. “Vai gado! Vai para seu curral! Amanhã tem de levantar cedo para trabalhar, gerar lucro e enriquecer ainda mais o patrão.” Os que não moram perto, ainda têm de ficar por um tempo que beira o infinito esperando o ônibus que muitas vezes não passa mais naquela hora e não há outra forma de chegar em casa. E o rolo compressor repressivo continua vindo pra cima, querendo intimidar e cumprindo seu bizarro dever de manter a ordem. “Tudo tem de estar em ordem. Temos de controlar as multidões para que continuem dóceis e submissas.” Os que estão no interior dos bares podem ficar um pouco mais, apenas serão fotografados constantemente, a distância, pelos agentes da maldita lei construída cuidadosamente para manter a todos presos, mesmo aparentemente livres. Ninguém está a salvo da terrível máquina de moer. Mas ainda piores somos nós que não nos deixamos abater e continuamos de pé. Toda violência só aumenta nossa raiva  e indignação. Ninguém é perguntado se pode ser fotografado ou dá qualquer outro tipo de autorização. Eles dizem que estão apenas fotografando os bares e não as pessoas que estão por toda a parte, povoando todo o seu interior que muitas vezes tem a parte dianteira aberta. Mas o argumento final é que isso tudo é para sua proteção. E olha que isso ocorre em bairros mais movimentados e centrais. Imagina o que acontece nos bairros afastados e periféricos, onde os moradores são mantidos isolados através da falta de transporte púbico, transformando a área onde vive uma grande quantidade de trabalhadores em um local de difícil trânsito e impossibilitando o acesso dessas pessoas ao resto da cidade. Nestes locais, onde muitas vezes os direitos mais básicos são negados, as denúncias sobre a brutalidade policial, torturas, estupros e assassinatos não param de surgir. Os processos já se avolumam há muito tempo, registrando um controle populacional brutal e perverso em cima de uma fatia extremamente vulnerável da população. Poderíamos aqui também elencar o extermínio dos indígenas, de trabalhadores do campo e da cidade, repressões brutais a manifestações e até a centros culturais que tiveram livros de suas bibliotecas apreendidos como provas. Mas tudo sempre é justificado pela ótica capitalista. Esta ótica justificava a barbárie desde os tempos mais antigos, em tempos de ditaduras declaradas e agora na pseudodemocracia.       


- Todos os escritos por: Fabio da Silva Barbosa -



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