sem título
Quando o horror cotidiano te engole
E as velhas muletas já não se sustentam
Sentimos o corpo sucumbir
A mente a se deteriorar
A gélida escuridão a envolver
A neblina mórbida sufocando qualquer tipo de
esperança
Enquanto as veias entupidas saltam de dentro para fora
Ornando toda a pele com o tracejado de um mapa decrépito
em alto relevo
Expondo agonias e inflamações
O cérebro dá lugar a uma bola de pus
E nos arrastamos cadavéricos
Nos sentindo elegantes vestindo o modo de vida podre como
os dentes que se esfarelam dando o toque que faltava ao hálito azedo
A língua inchada e pastosa parecendo patê de fígado
Globos oculares vazios e infeccionados
A orelha do velho pintor pendurada no vácuo enfeitando o
precipício é mais bela que as mentiras que travestem a cama de pregos
enferrujados em confortável sofá comprado em dez vezes com juros
Não juro mais
Não creio mais
Não suporto a paz
Prometer não faz mais sentido que se embrulhar em um
manto impregnado de fedores horrendos
Parasitas repugnantes
A maldição dos que se acham salvos e a soberba dos que
pensam escapar aos horrores dos nossos tempos
O deus furúnculo espreme o ser que já não é
Tentando tirar as últimas gotas de certezas
incertas
Esperanças há muito perdidas
Inocência esquecida
Lembranças partidas a machadadas
A marreta que ergue o prédio é a mesma que afunda o
crânio
A broca procura espaço onde antes não havia
Tecido vivo de uma pele morta
Matéria orgânica cobrindo o desgaste ósseo
A sagrada secreção lubrifica fungos e feridas
A gravata é a forca do otário
Não há
Não há convivência possível
com os malditos opressores
inimigos da liberdade
avessos a verdade
deuses da perversidade
Não há tolerância possível
com os malditos intolerantes
e sua hipocrisia abjeta
a mentira como meta
grades encobertas
Não há diálogo possível
com os malditos reacionários
canalhas ordinários
ladrões milionários
deuses dos otários
sem título 2
Ir de encontro a loucura
Flertar com ela
Copular enquanto a criatura enfia as unhas nas
suas costas
Perder qualquer tipo de senso
Fazer um pacto com o desatino
Não ver sentido em mais nada
Não ter ao menos os ossos das sobras para roer
Estar submerso em um plasma abjeto
Cansado com o peso da cruz
No vazio absoluto da descrença total
Observando a carniça torpe a se deteriorar
Enquanto minha própria carcaça se desfaz
O efeito de um leve e distante ronronar
Sombras na escuridão
arrastam-se lentamente
com movimentos estranhos que alteram suas formas
parecendo espectros errantes
perdidos em labirintos sombrios
Corredores úmidos
cobertos por musgos, algas e vermes se debatendo enquanto tentam escalar as paredes escorregadias
untadas com sebo e banha de alguma criatura rançosa
nascida em uma madrugada suja e fria
oriunda dos ventos que causam calamidades por onde passam
Agora percebo que estou hipnotizado
pelos sons dos pneus
rolando sobre o asfalto molhado
como o charmoso sibilar da serpente
ou a vida acabando de repente
sem título 3
Mais um escrito sai do subterrâneo
Do universo após a morte
Da cova
Do caixão
Do túmulo
Enquanto a enxada trabalha abrindo novo espaço na terra
A foice
Ou a bacia partida
Transformada em cinzas no forno crematório
A mão cheia de terra, lama, chagas e vermes
O gélido corpo febril
E você fingindo que está tudo bem
Dançando cantigas de roda
Embalando o bebê enquanto exala o podre hálito a ninar
Sussurra febril
Enquanto as bombas caem
Matando com seu poder devastador
Transformando tudo em sangue, morte e carne tostada
Ossos fragmentados
Crânios afundados
E políticos marionetes cínicos comprando sua alma por uma mixaria
E você se vende com prazer
Com o foco em se dar bem
Quer ser melhor que os outros
O grande salvador massacrando milhares
Enquanto seus irmãos derretem entre as mãos sádicas e suadas
Que cumprem o difícil ofício da tortura
QUANDO
Quando ele vem
com sua positividade tóxica
querendo ensinar
a sermos quem não somos
a acreditar na mentira mais cômoda
a nos apegar ao que desprezamos
e a vivermos um mundo irreal
chegamos ao desprazer de mais uma companhia desagradável
que repete um discurso pronto
digno dos podres livros de autoajuda
vejo logo se tratar de um hipócrita
ou de um alienado que acredita em qualquer coisa sem uma análise mais
profunda
talvez e simplesmente alguém que precisa muito entender tudo assim e
achar que faz algum sentido
LAMENTÁVEL
No mínimo posso me lamentar
Destruição Extrema
mudanças climáticas extremas
degradação extrema
destruição extrema
caos oriundo da extrema ganância humana
devastação desmatamento
poluição radiação
ar irrespirável
agrotóxico violação
derrubem estas árvores
queimem as florestas
cacem os animais
viva o garimpo
suguem o solo
matem os rios
alterem o curso
alimentem a fome
apertem o botão
da ogiva nuclear
mostrem a cara
da agonia e da dor
não há mais água limpa
para beber
de sede e misérias
iremos morrer
afogados na própria bosta
diz que não concorda
mas parece que gosta
então não adianta chorar
é a última moda
do predador idiota
cavar a própria cova
e por a culpa no outro
o que posso fazer?
sou apenas um cara
esperando a solução
cair do céu
ser humano parasita
apodrecendo tudo ao redor
matando a própria vida
e levando tudo pro buraco
não há planeta que resista
a tanta maldição
do animal inconsequente
da extrema exploração
posando de inocente
não podia ser pior
é tanta ignorância
sem lógica ou dó
Hábitos Estranhos
Vivo
em um tempo onde se cultivam hábitos estranhos, naturalizando toda forma de
violência e repassando absurdos como se fizessem algum sentido. A ignorância, a
estupidez, a alienação e a apatia são servidas como vitaminas no café da manhã
de quem pode se dar ao luxo de tal refeição. A outra ponta é corroída pela
fome, a miséria e a completa falta de tudo que se pode imaginar. Florescem atos
de desespero, angústias e ódio extremo. Cada um adoecendo a sua maneira. As
pessoas que trabalharam o dia inteiro e querem ficar até mais tarde na rua
desfrutando do descanso e se seu momento de lazer, não têm permissão para
escolherem o melhor momento de ir para casa ou ficar um pouco mais. Existem
normas inflexíveis e arbitrárias, ordens inquestionáveis que dizem o exato
minuto em que devem se recolher. Não há escolha. Um pesado aparato repressivo é
deslocado até os pontos onde a vida noturna é mais efervescente e começam a
retirar as pessoas das ruas, tocando para casa como gado para o curral. “Vai
gado! Vai para seu curral! Amanhã tem de levantar cedo para trabalhar, gerar
lucro e enriquecer ainda mais o patrão.” Os que não moram perto, ainda têm de
ficar por um tempo que beira o infinito esperando o ônibus que muitas vezes não
passa mais naquela hora e não há outra forma de chegar em casa. E o rolo
compressor repressivo continua vindo pra cima, querendo intimidar e cumprindo
seu bizarro dever de manter a ordem. “Tudo tem de estar em ordem. Temos de
controlar as multidões para que continuem dóceis e submissas.” Os que estão no
interior dos bares podem ficar um pouco mais, apenas serão fotografados
constantemente, a distância, pelos agentes da maldita lei construída
cuidadosamente para manter a todos presos, mesmo aparentemente livres. Ninguém
está a salvo da terrível máquina de moer. Mas ainda piores somos nós que não
nos deixamos abater e continuamos de pé. Toda violência só aumenta nossa raiva e indignação. Ninguém é perguntado se pode ser
fotografado ou dá qualquer outro tipo de autorização. Eles dizem que estão
apenas fotografando os bares e não as pessoas que estão por toda a parte,
povoando todo o seu interior que muitas vezes tem a parte dianteira aberta. Mas
o argumento final é que isso tudo é para sua proteção. E olha que isso ocorre
em bairros mais movimentados e centrais. Imagina o que acontece nos bairros
afastados e periféricos, onde os moradores são mantidos isolados através da
falta de transporte púbico, transformando a área onde vive uma grande
quantidade de trabalhadores em um local de difícil trânsito e impossibilitando
o acesso dessas pessoas ao resto da cidade. Nestes locais, onde muitas vezes os
direitos mais básicos são negados, as denúncias sobre a brutalidade policial,
torturas, estupros e assassinatos não param de surgir. Os processos já se
avolumam há muito tempo, registrando um controle populacional brutal e perverso
em cima de uma fatia extremamente vulnerável da população. Poderíamos aqui
também elencar o extermínio dos indígenas, de trabalhadores do campo e da
cidade, repressões brutais a manifestações e até a centros culturais que
tiveram livros de suas bibliotecas apreendidos como provas. Mas tudo sempre é
justificado pela ótica capitalista. Esta ótica justificava a barbárie desde os
tempos mais antigos, em tempos de ditaduras declaradas e agora na
pseudodemocracia.
- Todos os escritos por: Fabio da Silva Barbosa -
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